Por Direito de Ouvir

26 de August de 2022

A vida desafiada por alguém que nasceu com perda profunda!

A capacidade de entender as dificuldades sob um novo ângulo

26 de August de 2022



Não escutar, foi um desafio com o qual eu tive que lidar desde o meu nascimento.

E vencer as dificuldades impostas pela perda auditiva foi o que me fez entender que desafios progressivos nos fazem alcançar coisas inimagináveis!

O primeiro desafio que posso me lembrar, foi aprender a falar. Afinal, a audição, uma ferramenta poderosa do corpo humano, não se fazia presente e isso dificultava em muito a pronúncia das palavras. Contudo, não me senti desmotivado nem abalado, mesmo estando exausto após anos de treinamento – cerca de 11 anos –, repetindo as palavras, fonemas e frases.

Aliás, o que mais me encorajava enquanto aprendia a falar, era o fato de que, ainda na infância, estava conseguindo me comunicar com os amigos, ler seus lábios, coisa que, para uma criança, era algo muito importante. Afinal, não me sentia mais só.

 Você só é quem é hoje porque vivenciou um processo ensurdecedor, mas que lhe trouxe as melhores melodias para a sua vida, a capacidade de tomar decisões e expressar a sua voz. Nunca se esqueça: a sua voz é a sua cicatriz e toda cicatriz tem belas histórias a serem contadas e ressignificadas. Outros desafios vieram.

Na época do ensino fundamental, minha mãe me ajudou até o sexto ano, realizando revisões e explicando as matérias, mas, a partir do sétimo ano em diante, comecei a mergulhar na minha própria autonomia e procurar minhas habilidades até então ocultas.

Comecei a abusar cada vez mais da percepção e assim estimulei o meu cérebro a ter mais consciência sobre cada detalhe que eu conseguia capturar.

Obviamente, não vou dizer que entendia tudo na sala de aula – estudava em escola normal – mas me esforçava para prestar atenção e deduzir o que estava sendo dito.

Eu costumava me sentar na terceira fileira, tendo duas cadeiras na minha frente, com o objetivo de pegar mais informações ao meu redor e assim usava a percepção treinada para captar as mensagens mais importantes dos professores e os perguntar no final da aula quais eram os principais tópicos a serem estudados, quais páginas a terem a devida atenção, tudo o que podia fazer, eu fiz. Afinal, a audição não interrompe o processo do esforço, mas pensar no problema dela impede a evolução do seu desempenho.

O último desafio foi o futsal.

Eu tinha uns 12 anos quando comecei a praticar fui abordado pela professora de inglês que me perguntou: “você vai jogar bola, mas você não escuta.” E tal afirmação me deixou totalmente surpreso, pois o padrão perfeito da sociedade é ter todas as características, mas não fazer nenhum uso delas.

Perplexo com a afirmação da professora, fui treinar futsal e sabia que a minha coordenação motora era muito ruim, não tinha visão de jogo nem conhecimento da quadra, da mobilidade dos jogadores e das posições, era um completo amador e em consequência disso, era escolhido por último a integrar no time.

Não me conformei com essa situação e, por isso, comecei a treinar com a ajuda do meu pai todos os dias em casa, somente ia ao futsal duas vezes por semana. Estava fazendo embaixadinhas, treinando o domínio de bola, me acostumando a bola e criando resistência para o jogo.

Estava me concentrando mais na visão para cobrir a fraqueza da audição e consegui chegar até o auge em que conseguia perceber onde todos estavam e quando iriam realizar seus movimentos, conseguia ter a visão completa da quadra e meu corpo tinha mais confiança para realizar as jogadas.

Aconteceu porque eu não desisti e não deixei as pessoas ditarem meus passos com seus preconceitos, eu comecei uma coisa e somente terminei quando compreendi o que era preciso para ser feito.

Esses são alguns dos desafios principais que consigo resgatar das minhas memórias e que os considero fundamentais para o meu crescimento, já que a minha evolução foi dada pela surdez, mas a minha capacidade foi evoluída pelos meus atos diante as dificuldades.

Desafios enriquecem e treinam alguém com deficiência para atingir o estado da D-Eficiência.

Não tema porque você não tem a audição, tema por aquilo que você acha que não pode fazer, por aquilo que te limita, mesmo não sendo fator determinante para que você alcance seus objetivos.


Alex Alves Júnior
Escritor, influenciador digital e palestrante.

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