Tantas vezes entramos nas redes sociais para reclamar de algum serviço, mas quando há algo que tenha dado muito certo, penso que também devemos compartilhar. Há dez anos eu tenho indicação para usar próteses auditivas. Minha avó morreu surda, meu pai perdeu já um tanto da audição e eu infelizmente comecei muito cedo essa perda. O problema é genético, ladeira abaixo mesmo. Já chorei, já me desesperei e, de fato, isso de nada adiantou. Aliás, nada adianta. Só reencarnação, células tronco, quem sabe…
Procurei alguns lugares para fazer as próteses já com a audiometria em mãos. Lá pelos idos de 2003 parei em um local no centro da cidade especializados em próteses auditivas. Na época, o par de aparelhos para os ouvidos me custariam os olhos da cara. Um sentido pelo outro olha que ponto cheguei. Dezoito mil reais. Nove para cada "zoreia". Procurei outras lojas. Muitas pela zona sul. O problema é que em todos os lugares em que fui me viam somente como um cifrão. Como se não me bastasse ter que lidar com a ideia de ser deficiente física, de encarar essa deficiência de frente, de ter que pagar muito para ter uma qualidade de vida melhor, tinha que lidar com o fato de não ser gente e sim um cartão de crédito. Faziam um terrorismo psicológico dizendo que se demorasse a decidir, mais cedo ficaria surda… Desisti de tudo, era demais para a minha cabecinha. Era deficiência demais para lidar…
Acontece que eu teria a minha defesa [acadêmica]. E me apavorava o fato de eu perder algo, algum comentário, de eu ser prejudicada não pela falta de conhecimento e, sim, devido à minha audição ruim. Cheguei à conclusão que teria que encarar o mercado negro e as pessoas com corações cabeludos. Comecei fazendo uma pesquisa pela internet e agendei em três lugares diferentes. A primeira foi feita pelo site Direito de Ouvir. O próprio site já é diferenciado dos demais. Agendada com facilidade uma consulta em Madureira (tem em vários pontos do Rio), lá fui eu com minha mãe e meus medos. Cancelei todos os outros agendamentos na primeira consulta.
A fonoaudióloga Sheila Madruga, que me atendeu, ficou comigo umas duas horas. Eu simplesmente não acreditava no que ouvia (estava ouvindo, ainda não estou surda). Eu poderia testar todos os aparelhos que quisesse, poderia ficar com cada par por sete dias e se no final não quisesse comprar nenhum? Tudo bem. Seria feito o que eu decidisse.
Quando coloquei as primeiras próteses de seis mil cada uma (demoraram umas duas semanas desde a primeira consulta para elas virem de SP) foi como cair do alto de um barranco. Não é como colocar óculos. Passamos a ouvir tudo microfonado, nenhum som é natural, tudo amplificado da mesma forma, enfim, uma desgraça. E o pior! Era uma das melhores! Fui para a rua, conforme Sheila me orientou, para ver como me sentia, e voltei em menos de dez minutos em prantos. Desolada. Gastaria uma bufunfa e ouviria a todos como se estivessem saindo de dentro de um rádio! Que droga, que droga, que droga…
Sheila me acalmou, me disse que era uma questão de adaptação e que eu não tinha que decidir nada naquela hora, que eram as primeiras próteses, que eu poderia testar todas que quisesse, que a vida era bela e que tudo se ajeitaria da melhor forma para mim. Acabei testando mais duas - até que me decidi pelas que tenho hoje que são as internas. As externas não deram certo porque também sou míope e uso óculos. Era pouca orelha para tanto defeito…
Não foram baratas, mas o pagamento foi muito facilitado. A única consulta que paguei com a fono foi a primeira, cinquenta reais. O resto fazia parte do jogo quer eu ficasse ou não com alguma prótese. Enfim, fui tratada desde o primeiro contato como um ser humano. Como gente. E não como uma carteira. Presenciei vários outros pacientes sendo atendidos com a mesma atenção, com o mesmo cuidado e dedicação.
Enfim, agora sou enquadrada pela lei brasileira como deficiente física. Não me envergonho por isso. Sei que as próteses podem frear a minha perda, mas ela vai aumentar sempre. Sei que mesmo com elas, meu ouvido nunca será como antes. Mas não tenho do que lamentar. Hoje, na última revisão, eu e Sheila lembramos do primeiro dia em que eu voltei da rua e mal conseguia falar de tanto que chorava. Refletimos o quanto os nossos pensamentos podem dificultar muita coisa e a importância do respeito, de um carinho, de uma amizade no processo de adaptação a uma nova vida.
Nós nos despedimos com um forte abraço. Para aqueles que têm o mesmo problema (auditivo) que o meu (e sei que não são poucos) e estão sofrendo por aí nesse mundo mundo vasto mundo comercial sem necessidade: há esperança. Há muito amor ao próximo ainda nesse planeta!
Em tempo, a tese foi defendida com louvor e entendi cada vírgula colocada pela banca com os meus ouvidos supersônicos. Não fico mais insegura em congressos e em reuniões.
E para aqueles que lidam diretamente comigo, saibam que só uso minhas próteses em ambientes fechados onde geralmente há pessoas falando baixo. Em sala de aula, às vezes. Ainda estou me adaptando ao barulho saudável amplificado (já naturalmente) que os alunos fazem. Se a minha deficiência estiver, de alguma forma, dificultando a nossa conversa, sinalize. Elas sempre estão na minha bolsa, mas ainda não consigo ficar direto com elas, ok? É isso. Sigamos em frente.
Tantas vezes entramos nas redes sociais para reclamar de algum serviço, mas quando há algo que tenha dado muito certo, penso que também devemos compartilhar. Há dez anos eu tenho indicação para usar próteses auditivas. Minha avó morreu surda, meu pai perdeu já um tanto da audição e eu infelizmente comecei muito cedo essa perda. O problema é genético, ladeira abaixo mesmo. Já chorei, já me desesperei e, de fato, isso de nada adiantou. Aliás, nada adianta. Só reencarnação, células tronco, quem sabe…
Procurei alguns lugares para fazer as próteses já com a audiometria em mãos. Lá pelos idos de 2003 parei em um local no centro da cidade especializados em próteses auditivas. Na época, o par de aparelhos para os ouvidos me custariam os olhos da cara. Um sentido pelo outro olha que ponto cheguei. Dezoito mil reais. Nove para cada "zoreia". Procurei outras lojas. Muitas pela zona sul. O problema é que em todos os lugares em que fui me viam somente como um cifrão. Como se não me bastasse ter que lidar com a ideia de ser deficiente física, de encarar essa deficiência de frente, de ter que pagar muito para ter uma qualidade de vida melhor, tinha que lidar com o fato de não ser gente e sim um cartão de crédito. Faziam um terrorismo psicológico dizendo que se demorasse a decidir, mais cedo ficaria surda… Desisti de tudo, era demais para a minha cabecinha. Era deficiência demais para lidar…
Acontece que eu teria a minha defesa [acadêmica]. E me apavorava o fato de eu perder algo, algum comentário, de eu ser prejudicada não pela falta de conhecimento e, sim, devido à minha audição ruim. Cheguei à conclusão que teria que encarar o mercado negro e as pessoas com corações cabeludos. Comecei fazendo uma pesquisa pela internet e agendei em três lugares diferentes. A primeira foi feita pelo site Direito de Ouvir. O próprio site já é diferenciado dos demais. Agendada com facilidade uma consulta em Madureira (tem em vários pontos do Rio), lá fui eu com minha mãe e meus medos. Cancelei todos os outros agendamentos na primeira consulta.
A fonoaudióloga Sheila Madruga, que me atendeu, ficou comigo umas duas horas. Eu simplesmente não acreditava no que ouvia (estava ouvindo, ainda não estou surda). Eu poderia testar todos os aparelhos que quisesse, poderia ficar com cada par por sete dias e se no final não quisesse comprar nenhum? Tudo bem. Seria feito o que eu decidisse.
Quando coloquei as primeiras próteses de seis mil cada uma (demoraram umas duas semanas desde a primeira consulta para elas virem de SP) foi como cair do alto de um barranco. Não é como colocar óculos. Passamos a ouvir tudo microfonado, nenhum som é natural, tudo amplificado da mesma forma, enfim, uma desgraça. E o pior! Era uma das melhores! Fui para a rua, conforme Sheila me orientou, para ver como me sentia, e voltei em menos de dez minutos em prantos. Desolada. Gastaria uma bufunfa e ouviria a todos como se estivessem saindo de dentro de um rádio! Que droga, que droga, que droga…
Sheila me acalmou, me disse que era uma questão de adaptação e que eu não tinha que decidir nada naquela hora, que eram as primeiras próteses, que eu poderia testar todas que quisesse, que a vida era bela e que tudo se ajeitaria da melhor forma para mim. Acabei testando mais duas - até que me decidi pelas que tenho hoje que são as internas. As externas não deram certo porque também sou míope e uso óculos. Era pouca orelha para tanto defeito…
Não foram baratas, mas o pagamento foi muito facilitado. A única consulta que paguei com a fono foi a primeira, cinquenta reais. O resto fazia parte do jogo quer eu ficasse ou não com alguma prótese. Enfim, fui tratada desde o primeiro contato como um ser humano. Como gente. E não como uma carteira. Presenciei vários outros pacientes sendo atendidos com a mesma atenção, com o mesmo cuidado e dedicação.
Enfim, agora sou enquadrada pela lei brasileira como deficiente física. Não me envergonho por isso. Sei que as próteses podem frear a minha perda, mas ela vai aumentar sempre. Sei que mesmo com elas, meu ouvido nunca será como antes. Mas não tenho do que lamentar. Hoje, na última revisão, eu e Sheila lembramos do primeiro dia em que eu voltei da rua e mal conseguia falar de tanto que chorava. Refletimos o quanto os nossos pensamentos podem dificultar muita coisa e a importância do respeito, de um carinho, de uma amizade no processo de adaptação a uma nova vida.
Nós nos despedimos com um forte abraço. Para aqueles que têm o mesmo problema (auditivo) que o meu (e sei que não são poucos) e estão sofrendo por aí nesse mundo mundo vasto mundo comercial sem necessidade: há esperança. Há muito amor ao próximo ainda nesse planeta!
Em tempo, a tese foi defendida com louvor e entendi cada vírgula colocada pela banca com os meus ouvidos supersônicos. Não fico mais insegura em congressos e em reuniões.
E para aqueles que lidam diretamente comigo, saibam que só uso minhas próteses em ambientes fechados onde geralmente há pessoas falando baixo. Em sala de aula, às vezes. Ainda estou me adaptando ao barulho saudável amplificado (já naturalmente) que os alunos fazem. Se a minha deficiência estiver, de alguma forma, dificultando a nossa conversa, sinalize. Elas sempre estão na minha bolsa, mas ainda não consigo ficar direto com elas, ok? É isso. Sigamos em frente.